Walter Uchôa Dias Júnior
Superintendente de Estudos e Pesquisas – SUPES/SEPLAG
Coordenador do Observatório de Sergipe
Na primeira parte do artigo, dissemos que a pobreza não pode ser tratada apenas na ótica da renda, uma vez que ela tem múltiplas dimensões, e atualmente vários especialistas corroboram cada vez mais com essa visão. Exemplo como as observações recentes de Sabina Alkire e Maria Emma Santos do Departamento de Desenvolvimento Internacional, da Universidade de Oxford[1], que buscam estabelecer a compreensão desse fenômeno através da formulação de um índice multidimensional, considerando microdados de mais de 100 países que apresentam alto percentual da população em condições precárias de renda e acesso aos bens e serviços básicos, corroboram com esse comportamento científico. Essa questão emerge com tanta força que constitui uma das metas do milênio (ODM), estabelecidas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)[2]. Segundo o Programa,
“O objetivo global de até 21% de pobreza é um dos mais propensos a ser ultrapassado. Até 2015, segundo estimativas do Banco Mundial, a taxa global de pobreza (renda) é projetada ao redor de 15%, ligeiramente acima dos 14,1% previstos antes da crise financeira mundial, mas ainda superando as metas graças a ganhos acumulados no passado. De acordo com o Banco Mundial, a crise teria levado um adicional de 64 milhões para o grupo dos extremamente pobres ao final de 2010. Como resultado disso, estima-se que 53 milhões a menos de pessoas terão escapado da pobreza até 2015.”
Dissemos também que o Brasil internalizou esse objetivo macro em seu planejamento governamental. O plano Brasil Sem Miséria é reflexo do alinhamento do governo federal com os organismos internacionais. O governo de Sergipe segue por essa vertente e caminha para implantação do plano Sergipe Sem Miséria, que pretende retirar da linha de pobreza, atualmente estabelecida pelo Ministério do Desenvolvimento Social, cerca de 300.000 habitantes.
Primeiros indicadores sociais: ampliando a leitura.
As visões apresentadas a seguir, trazem um detalhamento da situação da pobreza analisando indicadores sociais de infraestrutura de saneamento básico considerados na definição da linha de pobreza nos domicílios com rendimento nominal médio mensal per capita de até R$ 70,00.
Com apenas esse exercício temos alguns elementos adicionais para a compreensão da situação atual da pobreza em Sergipe, e nos dão indícios de padrões espaciais (concentração, dispersão, distribuição).
A partir dos mapas construídos com os primeiros dados disponibilizados pelo Censo 2010, foi trabalhado um extrato referente ao percentual de domicílios particulares permanentes ocupados situados abaixo da linha de pobreza com acesso aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e disponibilidade de banheiro, gerando visões particulares de cada indicador, mas que, quando analisados conjuntamente, dão indícios peculiares à extrema pobreza em Sergipe.
- Abastecimento de Água
No que se refere ao abastecimento de água, o IBGE considerou a oferta de água em área urbana e rural de modo separado, definindo uma tipologia específica para preservar as diferenças entre as duas realidades. Nos domicílios situados em área urbana o abastecimento de água segue o mesmo padrão de comportamento que a renda nominal média mensal per capita domiciliar, apresentando baixos percentuais de abastecimento basicamente nas mesmas áreas onde a probabilidade de ocorrência de extrema pobreza (no tocante a renda) é alta. Esse comportamento é demonstrado em praticamente todo território do Alto Sertão, exceto para os municípios de Nossa Senhora da Glória e Canindé de São Francisco, que apresentam 37,66 e 33,00 por cento respectivamente. Nos municípios do Baixo São Francisco, Pacatuba (9,59%), Brejo Grande (22,26%), e Santana do São Francisco (23,91%) apresentam comportamento semelhante ao padrão geral do Alto Sertão. O município de Japoatã (20,22%), embora apresente baixo percentual de domicílios em situação extrema pobreza em relação ao seu entorno, estando em situação menos severa que Brejo Grande, Pacatuba e Santana do São Francisco, considerados os maiores percentuais de domicílios em situação de extrema pobreza do território, no tocante ao abastecimento de água em área urbana se encontra no mesmo patamar.
Outra observação se refere aos municípios do Sul, cuja maioria também apresentou baixos percentuais de domicílios em situação de extrema pobreza com abastecimento de água em área urbana. Os melhores índices (percentuais acima de 30%) são para os municípios de Estância, Boquim e Itabaianinha.
Quanto ao abastecimento de água em áreas rurais alguns municípios como Ribeirópolis (14,26%), Itabaiana (12,16%) e Moita Bonita (13,24%) no Agreste Central, bem como Simão Dias (5,91%) no Centro Sul, apresentaram baixos percentuais de abastecimento, entretanto demonstram uma situação menos severa que os demais em relação à renda domiciliar per capita. Já no Sul, os municípios de Boquim (13,14%), Estância (10,13%), Itabaianinha (7,71%), Tomar do Geru (6,50%), Umbaúba (2,71%) e Pedrinhas (2,24%) apresentam os percentuais mais baixos de acesso a esse serviço.
- Esgotamento Sanitário
No tocante ao esgotamento sanitário, os melhores índices se mantém no Agreste e Grande Aracaju. Entretanto, a porção noroeste do Baixo São Francisco, mais exatamente os municípios de Telha (75,00%), Própria (51,56%), Cedro de São João (29,39%), São Francisco (30,30%), Muribeca (46,08%) e Santana do São Francisco (56,32%), também apresentaram altos percentuais de domicílios abaixo da linha de pobreza com rede de esgoto disponível. Já no baixo São Francisco e Leste cerca de 40% dos municípios apresentam um comportamento mais severo, com percentuais variando de menos de 2% (Brejo Grande e Siriri) a cerca de 13% (Capela) de domicílios com renda abaixo da linha de pobreza com acesso à rede de esgoto.
- Coleta de lixo e existência de banheiro
Em relação a coleta de lixo, foi percebido um comportamento mais brando, onde os percentuais de domicílios abaixo da linha de pobreza com coleta de lixo, mesmo para a menor classe, apresenta valores elevados, variando entre 20 e 40%, destoando-se Pacatuba, que apresenta o menor percentual do Estado, com 12,55%.
Para o indicador de existência de pelo menos um banheiro de uso exclusivo, todos os Territórios apresentam pelo menos um município com baixo percentuais exceto a Grande Aracaju. Por sua vez, o Sul Sergipano apresenta uma situação inversa nesse indicador, onde quatro dos onze municípios estão na classe percentual mais baixa.
Algumas Considerações
Dissemos no início desta seção sobre a importância de estudar um fenômeno tão complexo como a pobreza; que ela tem múltiplas dimensões a serem analisadas. Seu conhecimento é condição essencial para o combate eficiente, a erradicação da miséria e a redução da vulnerabilidade social. Por esta razão, o sucesso das políticas públicas, da atuação governamental, ou mesmo da participação de qualquer organismo social nesse processo, depende da capacidade de compreender a realidade geográfica da pobreza.
Percebemos que os primeiros dados provenientes do Censo 2010 nos trouxeram além das visões conhecidas de novas perspectivas de problemas historicamente conhecidos.
A questão do acesso à água, por exemplo, tem sido tratado por meio da priorização de ações inscritas ao polígono da seca, ao domínio da regionalização do semiárido brasileiro, que abrange os municípios do Alto Sertão e parte do Centro Sul Sergipano. Por esta razão, as primeiras visões construídas com os dados do Censo 2010, a partir dos indicadores de saneamento e acesso à água potável, nos chamam atenção para a necessidade de investigar mais a fundo os territórios que se situam fora do semiárido, mas que se encontram em situação de pobreza extrema com baixo acesso à água, como é o caso do Sul Sergipano e o Baixo São Francisco.
Se tomarmos o município como unidade de análise, Pacatuba apresenta uma situação preocupante. Segundo os dados do Censo 2010, a cada 100 domicílios particulares permanentes, 36 estão em situação de extrema pobreza. De um total de 1.283 domicílios situados abaixo da linha de pobreza, a cada 100, apenas 8 tem ligação a rede de esgoto, 13 tem coleta de lixo e 45 possuem pelo menos um banheiro de uso exclusivo.
Essas percepções podem e devem ser aprofundadas com estudos técnicos que incentivem o debate pela sociedade e auxiliem a atuação do estado no desenvolvimento de políticas públicas que permitam alcançar uma melhoria efetiva da realidade social da população sergipana.
Nessa direção, visando alcançar a meta mobilizadora, a erradicação da extrema pobreza no estado, o governo de Sergipe está estabelecendo parcerias para a realização de estudos e pesquisas envolvendo a temática. A Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), através da Superintendência de Estudos e Pesquisas, vem desenvolvendo um método de trabalho denominado Observatório de Sergipe, que tem por objetivo a implantação e consolidação de uma infraestrutura informacional sobre o estado, abrangendo as áreas de geografia, cartografia, economia, estatística e políticas públicas, capaz de subsidiar o planejamento e a gestão governamental.
Através do Observatório de Sergipe, a Seplag vem realizando diálogos com as demais Secretarias e órgãos da administração pública geral, com objetivo de fortalecer a Rede Estadual de Planejamento através de uma atuação integrada e transversal. São iniciativas como essas que permitem construir bases para o enfretamento da pobreza em suas múltipals dimensões, fazendo dos estudos técnicos ferramentas que contribuem para o cotidiano de uma sociedade.